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Fundo eleitoral salva partidos sem o mínimo de votos

Fusões. Rede Sutentabilidade, de Marina Silva, não atingiu mínimo legal e estuda fusão com outro partido Foto: Marcelo Chello / Agência O Globo

Mesmo com desempenho abaixo da chamada cláusula de barreira, siglas ficarão com parte do financiamento de R$ 2 bilhões

Apesar dos esforços para tentar frear a multiplicação dos partidos políticos no Brasil, uma brecha na legislação dá sobrevida às siglas nanicas. Os partidos que não alcançaram o desempenho mínimo determinado pela cláusula de barreira nas eleições de 2018, instituída pela reforma eleitoral de 2017, perderam acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV, mas continuam recebendo as verbas do fundo eleitoral. Este fundo foi criado no mesmo ano da reforma para financiar campanhas com dinheiro público e servir de alternativa ao fim do financiamento empresarial. O orçamento federal para 2020 prevê R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral.

Desde que a cláusula de barreira passou a valer, seis siglas já se fundiram. O PRP foi incorporado ao Patriota, o PPL se fundiu com o PCdoB, e o PHS, ao Podemos. Além deles, PV e Rede, enquadrada na cláusula após desempenho ruim em 2018, estudam uma fusão.

Embora só possa ser acessado em período eleitoral, a cada dois anos, os recursos são grandes. É uma contradição e uma dificuldade para o propósito da cláusula de barreira de incentivar os partidos a se fundirem, a fim de se chegar num limite de 10, 15 partidos na Câmara — afirma Bruno Carazza, doutor em Direito pela UFMG e especialista em partidos políticos e eleições, referindo-se às 24 legendas que hoje têm assentos na Congresso.

Carazza se refere aos R$ 2 bilhões que serão distribuídos aos 33 partidos em funcionamento no país. O valor aprovado pelo Congresso para as eleições de 2020 representa um aumento de 18% em relação a 2018, ano em que foi usado pela primeira vez, quando o fundo era de R$ 1,7 bilhão. Os líderes parlamentares chegaram a propor elevar a quantia para R$ 3,8 bilhões, mas recuaram.

Lara Mesquita, cientista política e pesquisadora em estudos eleitorais e partidos políticos na FGV-SP, é mais reticente quanto à influência dessa brecha e acha que é cedo para avaliar seus efeitos. Isso porque há uma regra de transição até a implementação definitiva da cláusula de barreira. Hoje, o dispositivo afeta partidos que não atingem 1,5% dos votos válidos nacionalmente. Esse percentual tem que ser atingido em pelo menos nove estados da federação e vai aumentando a cada eleição, até chegar ao patamar mínimo de 3% em 2030.

É uma brecha, sim, e seria melhor se não existisse. Mas o recurso não é anual, não paga aluguel de sede, salário de dirigentes, realizações de convenções. Este foi o primeiro ano em que os partidos não receberam recursos do fundo partidário, então acho que quando entregarem a próxima prestação de contas teremos uma melhor ideia sobre isso — afirma ela.

O partido Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, é um exemplo. Impedido de acessar o fundo partidário, a sigla tem se mantido por meio de doações voluntárias e apoio dos filiados. Terá, no entanto, R$ 27,9 milhões para suas campanhas eleitorais no próximo ano — recursos sem os quais, de acordo com interlocutores, o partido não teria chance de se manter competitivo.

Fragmentação

Os especialistas concordam que a pulverização partidária no Brasil não é, em si, um problema. Eles citam exemplos de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Índia, onde existem dezenas de partidos. A diferença é que nestes países poucos deles têm representação no Congresso.

O maior partido no parlamento brasileiro tem cerca de 10% das cadeiras. Isso é muito pouco para o maior partido. No Brasil, nos últimos anos, estamos fazendo mudanças para nos aproximar das regras da Alemanha. Mas aqui a cláusula só limita o acesso ao recurso público e à propaganda gratuita. Na Alemanha, a cláusula é um veto a ocupar uma cadeira no parlamento — diz Lara Mesquita.

Bruno Carazza segue a mesma linha. Para ele, o problema é que partidos com pouca “densidade ideológica” e pouco número de filiados consigam ter representação no Congresso. Essa é uma situação que vem se agravando nos últimos 25 anos. No início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o maior partido da Câmara era o PFL (hoje, DEM), com 117 deputados. Já o PSDB tinha 95 parlamentares. Hoje, as maiores bancadas da Casa são PSL e PT, com apenas 53, cada.

Como a gente tem muitos partidos que, em geral, dizem muito pouco ao eleitor, acabamos conduzindo a eleição para ela ser disputada de modo personalista. Na medida em que temos muitos partidos fracos, entre centenas de milhares de deputados, para um candidato se destacar nessa multidão ele precisa gastar muito dinheiro. Quanto mais dinheiro gastar, maior a chance de ser eleito — afirma Carazza.

O cientista político Magno Karl defende a ideia de uma redução da fragmentação partidária, mas afirma que isso não deve se sobrepor ao direito dos cidadãos se organizarem partidariamente.

A cláusula de desempenho é uma medida benéfica, que no longo prazo poderá nos ajudar a reduzir a fragmentação partidária nas casas legislativas. No entanto, acho saudável que ela não seja determinante para que partidos políticos possam apresentar candidaturas nas eleições — diz Karl.

O Globo

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