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Não estamos seguras!

Por Sérgio Zanetta, médico sanitarista e feminista confesso!
Temos grande dificuldade de enxergar o que não reconhecemos! Na nossa sociedade o paralelismo da vida das pessoas constrói vivências singulares e, dentre elas, um longo caminho de violências de que são constantes para as mulheres, e também os negros, pardos, LGBTQIA+, pessoas fora do grupo brancoheteromisoginopatriarcal dominante na sociedade. As mulheres vivem constrangimentos e restrições de que são testemunhas desde cedo: das brincadeiras que lhes reservam o papel de cuidar das crianças e da casa, ao convívio com o mundo adulto e masculino. Aprendem cedo a se proteger do assédio, do abuso e de constrangimentos quando não são as principais vítimas de predadores que convivem em seu estrito círculo de confiança e proteção durante a infância. Para as mulheres, desde sempre a escolha da roupa, dos caminhos e transportes, dos horários não são escolhas da conveniência, mas da segurança. Nessa lógica construída, a provocação é sempre feminina, da roupa, do gesto, da atitude, pretextos para investidas e agressões para as quais elas devem estar sempre atentas e preparadas para enfrentar. A extensa e bem urdida rede de imposição dessa hegemonia cultural se expressa nas famílias, escolas, grupos religiosos e sociais que contribuem para dificultar a visibilidade das microviolências do cotidiano àquelas abertamente criminosas e trágicas. Não, não estamos seguras em casa, nas escolas, nas igrejas, em grupos de colegas, nos médicos, nos hospitais! Não estamos seguras nos núcleos onde a segurança de vulneráveis deveria ser a regra! Uma criança violada sexualmente no Brasil pode ganhar a manchete da imprensa e a exposição promovida por quem deveria protegê-la e distribuir justiça aos violadores! Não estamos seguras quando o principal problema é a vítima e sobre ela continua a cadeia de violências através de particularismos religiosos e morais hegemônicos. Tudo é pretexto e justificativa para prosseguir a violência! De todas as violações as mais graves são perpetradas pelos que tem poder e autoridade para proteger! Essa condição longe de ser justificativa deve ser considerada agravante, não importa se de um adulto tutor, um parente ou amigo ou, pior de um juiz ou promotor de justiça! O silêncio e a displicente conivência da sociedade reforçam as convicções e ampliam o ônus das vítimas. Mas essa não é uma história singular, é comum a 175 mil vítimas de abusos sexuais informadas ao sistema federal de proteção entre 2012 e 2016; 70% crianças e adolescentes na maioria entre 7 e 14 anos: uma epidemia e, longe de comportamento fortuito, uma regra disseminada. Mas, o que se faz para proteger nossas crianças, meninas e mulheres? Não temos educação sexual nas escolas indispensável para coibir o abuso que se aproveita da ignorância e inocência das crianças. Não promovemos estratégias de resistência ensinando que ninguém pode ser tocado, que isso deve ser comunicado às mães, professores, colegas ou outros adultos de confiança. A história de cada família e de cada mãe em especial não é apartada desse contexto e a maioria tenta fazer o melhor para os seus. Mas, o melhor possível pode não ser o necessário e a sociedade deve oferecer as condições para superar as armadilhas da ignorância e do isolamento que vulnerabilizam o futuro e a saúde das mulheres. Precisamos contar também com os novos homens que compreendam a riqueza de trocas e a busca da simetria entre os gêneros como forma de emancipação do humano de cada um. A educação objetiva de meninos e meninas, ensina respeito e alteridades, protege as crianças e permite que o jovem tenha informações e conhecimento para tomar decisões autônomas diante de suas escolhas sexuais ao longo de toda a vida. Isso ajuda os pais e responsáveis a tratar com objetividade a questão sexual independente de suas próprias dificuldades sobre o tema. Em tempos atuais não basta ser a favor das mulheres, é necessário ser feminista! A violência obstétrica que começa a ser enfrentada por mulheres, médicos e profissionais de saúde traz à tona violências no ciclo da maternidade e parto. Não, não estamos seguras! O noticiado protagonismo de um médico na violação de parturiente indefesa sob forte sedação em ambiente de controle como o centro cirúrgico de um hospital revela a face abjeta daqueles que têm obrigação profissional, legal e moral de proteger nossas mulheres e meninas e, não o fazem. Não é apenas mais um crime isolado, é sistemático a ponto do agressor se sentir protegido para perpetrar esta ignomínia. Como permitimos que médicos, religiosos, pais, tios, parentes, amigos próximos sigam realizando esses abusos? Não, não estamos seguras! A sociedade se apressa em punir individualmente os agressores como se só isso bastasse e não criam mecanismos de proteção e apoio permanentes que evitem essas tragédias humanas. Quando se trata da proteção de crianças, meninas e mulheres, pessoas vulneráveis e demais expostos à violência não podemos confiar em decisões pessoais, morais, de princípio: temos que agir de modo eficaz sem possibilidade de limitação por interferência de grupos por melhor intencionados que sejam. É preciso ser radical: atacar as raízes do problema! As sombras da ignorância protegem os agressores e predadores e para enfrentar essa epidemia de violências contra nossas meninas e mulheres é necessária uma decisão da sociedade e o reconhecimento de que NÃO ESTAMOS PROTEGIDAS!

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